ANARQUIA!

Cortando o mal pela raiz. A Guerra Social. Rio de Janeiro, 29 de jun. de 1911. p.1.Não me conformo com o que toda-a-gente,
Essa mísera e informe carneirada,
Opina e diz, sanciona, pensa e sente.
Rebelo-me. Protesto. Faço assuada.

Aos deuses não me curvo. Sou descrente.
Juízes, soldadesca, padralhada,
Ministros, deputados, presidente...
Eu odeio de morte esta cambada!

Ferve em meu peito uma revolta santa
Contra toda a feição de sacripanta.
Detesto sobretudo a hipocrisia.

E só descansarei da minha lida
Quando o ultimo burguês deixar a vida...
- Como me chamo? – Eu chamo-me Anarquia!

Antonio Pedro
>> São Paulo. A Plebe, 6 de março de 1920. p. 2.
>> Imagem: A Guerra Social. Rio de Janeiro, 29 jun. 1911. p.1.

 

 

Apresentação >>

Angela Roberti (UERJ) // Edna Santos (UERJ)
Rio de Janeiro, verão de 2012/2013.

         No período compreendido entre o final do século XIX e início do XX, o Brasil foi palco de experiências transformadoras: mudou o sistema político e o regime de trabalho, obras foram executadas, cidades modernizadas, a entrada de imigrantes foi ampliada, a circulação de ideias e mercadorias foi intensificada, o ambiente político foi renovado, a atmosfera intelectual foi potencializada e novas relações, tensões e lutas se impuseram produzindo conflitos e estranhamentos.

         Nessa época de transição efervescente, o país começou a viver o lento, porém definitivo, processo de expansão das relações capitalistas, permitindo, de um lado, a formação e a ascensão da burguesia, e de outro, o aumento quantitativo do proletariado, demarcando, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, os contornos da chamada “questão social”.

         Paulatinamente, o estabelecimento desse campo de forças sinalizou a necessidade de organização de formas de ação das crescentes classes trabalhadoras. Tornou-se inevitável a aproximação entre esses grupos e o ideário anarquista, reforçado no país com a presença cada vez mais significativa de imigrantes, muitos dos quais ligados às atividades urbanas, com destaque aos setores comercial e oficinal.

         O anarquismo, portanto, foi uma tendência hegemônica no início do movimento operário no país, com atuantes e combativas correntes organizatórias da classe trabalhadora urbana, principalmente, no eixo geográfico Rio de Janeiro-São Paulo, em fins do século XIX e décadas iniciais do século XX.

         A história do anarquismo no Brasil encontra-se, portanto, fortemente vinculada à constituição do movimento operário, aparecendo, por sua vez, associada à problemática da industrialização e da urbanização que se acelerou nessas cidades no início do século XX, dando visibilidade ao drama da existência dos trabalhadores diante das péssimas condições de vida e de trabalho a que estavam sujeitos.

         As péssimas condições que caracterizavam o mundo do trabalho mantinham correspondência direta com o cotidiano do trabalhador fora do espaço da produção, estendendo-se por sua vida cotidiana. Os níveis salariais baixos contrastavam com o aumento do custo de vida, em especial com a alta constante dos gêneros alimentícios e dos aluguéis. O precário poder de consumo refletia-se no deficiente padrão alimentar e na insalubridade da maior parte das moradias. As deficitárias condições de saúde e higiene, assim como o difícil acesso à educação e até mesmo ao lazer, selavam o drama da existência operária no período de sua constituição social e cultural.

         O movimento operário no Brasil, bem como os princípios e as ações libertárias, encontramram nas péssimas condições de vida e de trabalho a que os trabalhadores estavam submetidos um terreno fértil para se disseminar. Esse contexto de dificuldades agitava as cidades brasileiras, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, embalando o movimento operário em geral e fermentando a militância anarquista em particular, de modo a impulsionar os anarquistas a agirem e interagirem enquanto sujeitos históricos, verdadeiros testemunhos de uma época historicamente determinada. 

         Por intermédio da publicação de jornais, boletins, panfletos e livros, da organização de grupos, conferências, comícios e agitações populares e da participação ativa e permanente no movimento operário, o anarquismo, nas suas diversas orientações, expandiu-se no país, tornando-se, nas duas primeiras décadas do século XX, a corrente mais forte no interior do movimento operário. Muito cedo, portanto, passou a incomodar os poderes estabelecidos, atraindo, por conseguinte, a atenção policial.

         Os libertários atuantes no Brasil implementaram, também, um conjunto de atividades culturais como parte de um amplo projeto de mobilização, conscientização e engajamento dos grupos de explorados e oprimidos. Escolas anarquistas foram fundadas, círculos de estudo organizados, conferências proferidas, folhetos e panfletos publicados e lidos, romances e folhetins editados, poemas declamados e musicados, peças teatrais encenadas e charges publicizadas. Enfim, foi incrementado todo um conjunto de práticas sociais e culturais com o intuito de melhor difundir as ideias e ideais dos libertários e sua crença na capacidade de homens e mulheres criarem um mundo novo, diferente, igualitário, solidário, livre, auto-gestionário por excelência e, por isso mesmo, acreditava-se, mais feliz.  [continuar a leitura>>]

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